Advogado do diabo


Perdoem-me pelo título, é repetido ou pelo menos eu acho que já escrevi uma coluna de mesmo nome na época do saudoso CEC Portal (abraços ao Zé Maurício e para toda a equipe). Mas sempre que discuto a continuidade de um treinador sou obrigado a encarnar o personagem que costuma defender o indefensável.

Desta forma eu venho aqui expor meus argumentos baseados em dados e fatos científicos e também deixar algumas conclusões, na tentativa de absolver o treinador e pedir paciência para deixarem o time jogar.

Premissa

Depois de alguns anos é que eu fui aprender que o trabalho de um treinador é, vejam só que beleza, treinar. Alguns amigos, treinadores, me confidenciaram certa vez que o futebol é um esporte quase perfeito, o problema é jogar.

Parto dessa lógica bastante simples para pedir que os torcedores entendam que o treinador planeja que o elenco assimile sistemas táticos, bola parada e todo o conteúdo do modelo de jogo em divisões de tempo determinados em macro, meso e microciclo.

Em outras palavras, colocando um possível exemplo, ao longo de seis meses de treinos o time precisa aprender determinadas qualidades, mas também precisa apresentar evoluções em passos menores divididos em ciclos de dois ou três meses que são divididos em ciclos semanais.

Essa é uma premissa científica de treinamentos, preciso agora explanar sobre as versões da equipe que o Cruzeiro montou para 2018.

Plano A

O time contratou um centroavante. O melhor disponível no mercado. Após identificar um dos defeitos do time de 2017 o treinador, a comissão e a diretoria decidiram investir todas as fichas fazendo a equipe jogar ao redor de uma peça específica, que não se desenhava no plano de jogo anteriormente.

Qual foi o resultado?

Em 7 jogos neste novo modelo de jogo e com esta peça específica o time marcou 12 gols. Média de 1,71 gols por partida. O centroavante para qual o time foi armado ao redor teve participação tática em 9 gols, ou seja 75% dos gols tiveram influência daquele jogador em campo, seja por gol (1), penúltimos passes (3), ou praticando algum princípio tático na concepção do tento (5).

E de repente, em uma daquelas aleatoriedades únicas que envolvem o futebol, o Cruzeiro, o treinador, a diretoria e a torcida ficaram sem a imagem principal da equipe em 2018.

Plano B

Vejam vocês, me permito filosofar que a memória é uma dádiva e uma maldição. Mais uma vez me baseio no argumento científico de que os atletas tendem a relembrar um sistema tático, um modelo de jogo e movimentações de acordo com as boas memórias atreladas a este
aprendizado.

Logo, ao perder a engrenagem que modificou a forma de jogar da equipe em 2018, a decisão mais sensata seria retomar o que deu certo antes da inclusão da nova peça. É basicamente o que tem acontecido.

Durante a Copa do Brasil de 2017 o treinador usou o sistema, sem um homem de referência, na maior parte do tempo em seis das últimas oito partidas naquela competição. A maioria das vezes, Mano opta por usar Thiago Neves como atacante ao lado de alguma variação.

Nas partidas decisivas, que guiaram até o quinto título do certame, o desenho por vezes era transformado em uma equipe com três homens na linha de meio. Dois fazendo papeis de volantes [ou doble-cinco para os moderninhos] (Henrique e Hudson), com um meia que fazia a ligação normalmente caindo pela direita (Robinho). Na frente um atacante pela esquerda e que durante a organização defensiva compunha a linha de meias (Alisson/Rafael Sóbis) e outros dois atacantes leves, sendo um deles TN30.

A questão chave sobre essa configuração é entender o seu pragmatismo. Voltando às oito últimas partidas da Copa do Brasil, foram cinco empates, duas vitórias e uma derrota. Sim, com 45% de aproveitamento, a partir do momento em que a disputa contou com os times da Libertadores, o Cruzeiro foi campeão.

Ainda na análise fria dos números, a equipe sem Fred detém uma média de gols por partida de 1,38. Ou seja, uma queda de 20% de eficácia em guardar a bola na rede. Tenho um amigo que, aproveitando-se do batismo de Mauro Cézar Pereira ao Palmeiras de Cuca em 2016 (o Cucabol), parafraseou o conceito para o treinador celeste apelidando esse sistema de Manobol.

A análise

Para muitos torcedores que criaram expectativas em 2018, principalmente após as primeiras exibições, é de certa forma frustrante retornar a um modelo de jogo que, embora eficiente, não corresponde àquilo que se prometia do time.

Mas, voltando às minhas exposições nos primeiros parágrafos, a lesão de Fred afetou de forma dramática o planejamento da equipe. Vamos pensar no trabalho de treinamento realizado com e sem o jogador. Aqui uma observação, contabilizo os treinos até a partida do dia 27 de fevereiro, o dia da primeira lesão contra o Racing, depois disso também contabilizo os 4 dias de treino entre os dias 19 de março até o dia 25, data da fatídica lesão contra o Tupi.

Considerando o planejamento de treinos do Cruzeiro em 2018, divulgado pelo site oficial, foram 41 dias de trabalhos com a participação do centroavante integrado ao sistema tático da equipe, e outros 33 dias já tentando se readaptar ao sistema anterior.

Podemos avaliar que nos 41 dias de treinamento da equipe “Plano A”, 11 desses dias foram em concentração de pré-temporada e os demais englobaram a participação em 8 partidas (em uma delas o atleta foi poupado).

A equipe “Plano B” treinou 33 dias, realizando 13 partidas neste período (com média de 1 jogo em 3,69 dias). Aqui estou contabilizando o que o site oficial indica como dia de treino, sem realizar a distinção entre as categorias de treinamento (como o treino de recuperação por exemplo).

Em um cenário ainda mais severo, posso pensar apenas o treinamento dentro do novo (velho) sistema, ou seja, após a lesão mais grave contra o Tupi. Assim são apenas 22 dias de treinos e 5 jogos no período (com média de 1 jogo a cada 5,2 dias).

Abandono momentaneamente meu lado quantitativo e matemático para tentar explicar o porquê da equipe, depois da lesão e voltando a uma fórmula já conhecida, ainda assim parece bastante desentrosada e sem a eficácia que marcou a conquista da Copa do Brasil.

Lembrando da equipe campeã a imagem de Diogo Barbosa e Alisson fazendo dupla pelo lado esquerdo era fundamental ao esquema. Ao analisar o time de 2018 é possível perceber a mudança de eixo.

O lado mais forte foi modificado com a entrada de Edílson, em contraposição Egídio retorna com as inúmeras desconfianças que traz junto com ele. Só este fato já permitiria um entendimento às dificuldades do treinador, mas é apenas mais um ingrediente que dificulta essa adaptação.

Algumas modificações não podem ser avaliadas apenas levando em consideração a posição de cada atleta e sim suas características e comportamentos dentro de campo. Isso explica o cuidado ao lançar David para o que pode ser a função que fazia Alisson em 2017.

Este conceito também explica a tentativa na última partida de encontrar um outro meio campista que traga equilíbrio ao sistema, função que foi de Hudson em 2017, que poderia ser de Bruno Silva em 2018, que foi testada com Ariel e que desenha uma disputa entre os Lucas, Romero e Silva.

Conclusões

Treinar uma equipe de futebol demanda uma observação de fatores tão complexos e detalhados que englobam uma quantidade de variáveis muito maiores que aquelas que debati aqui. Tento usar argumentos que justifiquem o rendimento dentro de campo, buscando dados de planejamento de treino, que aprendi em Viçosa, assim como dados numéricos encontrados em plataformas como o Wyscout e o FootStats.

Atletas, comissão, diretoria e torcida são seres humanos. Logo as variações de comportamento podem interferir em todos os aspectos analisados em uma partida de futebol. Acredite em mim quando digo que a postura do torcedor no estádio interfere (e muito) no que a equipe produz dentro de campo.

Voltando ao termo pejorativo Manobol (me desculpe professor), posso interpretar com uma certa escala de confiabilidade, que a equipe deve evoluir e encarar cada próximo desafio na fase de grupos da Libertadores como uma decisão eliminatória, tendo em vista a motivação da partida decisiva no objetivo de conseguir alcançar as oitavas de final.

Ora, se a equipe empatou no Chile é preciso buscar uma vitória simples dentro de casa. Se empatou no Mineirão, com o Vasco, é necessária uma vitória simples fora. Perdeu por uma diferença de dois gols na Argentina para o Racing então, encarando desta forma, uma vitória por dois gols de diferença em casa com certeza contribuirá para a classificação.

O torcedor entendendo que a formação atual buscará apenas o resultado que basta, conseguirá se controlar e torcer (por vezes a contragosto) para que o time faça o que é necessário. A Copa Libertadores é obsessão para 32 equipes atualmente. Encarar este desafio não é, e nunca será, fácil. Entretanto, enxergar o caminho de maneira racional torna menor a expectativa e maior a contribuição que cada um pode dar na trilha do sucesso.

Abraços a toda Nação. Atualmente sigo trabalhando no perfil @lacancha_fc que cobre o futebol de toda a América do Sul, desta forma se quiserem conhecer um pouco mais sobre o que acontece nos gramados do continente nos acompanhe por lá.

Por: Felipe Nunes