Sorrisos e lágrimas: é o que a vida tem a oferecer…


Sim, o título é uma adaptação, uma referência a uma música do Emicida. Sei também que hoje deveria ser um dia de alegria e festividade celeste. Afinal, 30 de novembro é o dia em que o Cruzeiro conquistou duas façanhas memoráveis. A primeira, em 1966: goleada sobre o poderoso Santos, então campeão do mundo, por 6 a 2. A segunda delas, ocorreu em 2003: vitória por 2 a 1 sobre o Paysandu que nos assegurou matematicamente o título brasileiro da temporada, completando assim a histórica e, até hoje, inigualada tríplice coroa. Mas antes de lembrar os nossos heróis de azul, me obrigo a falar daqueles de verde que partiram ontem.

O desastre ocorrido com o avião da Chapecoense deixou a maioria de nós atônitos. Afinal, ninguém espera que algo assim aconteça. E mesmo que não seja o nosso clube, nem do nosso estado, e possivelmente, nós nunca tenhamos trocado sequer uma palavra com alguma das vítimas, nos sentimos muito próximos a eles. Afinal, os vemos semana após semana na televisão, ouvimos seus depoimentos no rádio e conhecemos ainda mais suas rotinas, pelas tantas redes sociais. Não é uma dor de perder um parente próximo, mas se assemelha. E a empatia nos faz pensar imediatamente, “e se fosse eu? e se fosse um familiar? e se fosse o Cruzeiro?”. É complicado, eu sei.

É importante que haja a correta apuração dos culpados e a responsabilização. Passado o luto, a vida tem que seguir, mas esse tipo de problema não pode mais ocorrer. Que as famílias sejam amparadas e o clube possa se reerguer do desastre. O avião utilizado apresenta mais risco que os modelos usados aqui no Brasil, por exemplo. Mas vamos ressaltar o quanto é essencial maior fiscalização. A hipótese anunciada de pane seca (falta de combustível) é desesperadora e inaceitável. E olha que a seleção argentina veio para o Brasil no mesmo avião, no início do mês…

Foto: Reprodução / Superesportes

Foto: Reprodução / Superesportes

É tudo muito triste e assustador. Lembremos, o Cruzeiro faz diversas viagens por ano, pega centenas de aviões. Será que os voos utilizados para viagens dentro do estado, pelo Campeonato Mineiro, estão nas condições ideais? É hora de todo mundo repensar e das diretorias de todos os clubes cuidarem muito bem da logística, para que um novo acidente deste jamais volte a ocorrer. Não se economiza em segurança. Sobre quem é o culpado, só o tempo e a investigação dirá. Tratemos de nos solidarizar sempre, mas nos recompor. E de tentar sair um pouco do luto, lembrando o tamanho deste clube que usa cinco estrelas no peito.

Quem testemunhou, diz que foi sensacional. O Cruzeiro, um azarão, fez 5 a 0 no Santos nos primeiros 45 minutos de jogo no Mineirão, na decisão da Taça Brasil. Gilmar, Carlos Alberto Torres, Mauro Ramos, Oberdan, Zé Carlos, Zito, Lima, Dorval, Toninho Guerreiro, Pelé e Pepe foram colocados na roda. Provavelmente, o treinador Lula estava em choque. Aquilo parecia um sonho para os guerreiros de azul, personificados em Raul, Pedro Paulo, Willian, Procópio, Neco, Wilson Piazza, Dirceu Lopes, Tostão, Natal, Evaldo e Hilton Oliveira. Sob a batuta de Airton Moreira.

Foto: Reprodução / Imortais do Futebol

Foto: Reprodução / Imortais do Futebol

Os gols do massacre? Logo no primeiro minuto, Zé Carlos marcou contra, explodindo o Mineirão. Natal dobrou a vantagem aos 5′, e o Príncipe Dirceu Lopes anotou mais 2 gols, construindo a goleada. Tostão ainda encheu a mão, aos 42 minutos. Na volta do intervalo, Toninho Guerreiro marcou duas vezes, com espaço de 3 minutos, para nos dar aquele susto tradicional. Mas Dirceu, de novo, marcou seu hat-trick e botou uma pá de cal na reação santista. Procópio e Pelé ainda foram expulsos, após uma desinteligência no fim do jogo. E a taça foi consolidada uma semana depois, quando batemos o Santos de novo por 3 a 2.

Fazer 6 gols em um embate nos remete a um outro jogo, contra outro time branco e preto que nós lembramos muito bem (e em HD). Mas essa história fica para outro dia. E o 30 de novembro voltou a nos tirar sorrisos, em 2003. O time já nasceu excepcional. Ganhou o Campeonato Mineiro de forma invicta, com 10 vitórias e 2 empates. A conquista da Copa do Brasil também ocorreu de forma invicta, com 8 triunfos e 3 empates nas 11 partidas. Teve goleada, teve show, teve gol de letra do Alex, teve o episódio em que Luxemburgo deu uma fralda para o estreante Gladstone… E eternizamos aqueles 3 gols de cabeça na decisão, Deivid, o acrobático Aristizabal e Luisão.

A campanha do Brasileiro era irrepreensível e o nosso mais feroz perseguidor era justamente o Santos. Boa parte da diferença entre campeão e vice foi estabelecida no confronto direto. Lembrando 66, batemos o Peixe aqui e lá. 2 a 0 na Vila Belmiro, no primeiro turno, e um espetacular 3 a 0 no Mineirão, com direito a cavadinha de Aristizabal, gol na cagada de Felipe Melo e um irônico peixinho do mesmo Ari. Havia toda uma aura de zoação, porquê o Cruzeiro era o único time grande que nunca havia vencido o Brasileirão com a nomenclatura atual, desde 1971. O Mineirão naquele 30/11/2003, era um mar de gente de azul e de estrelas douradas.

Foto: Reprodução / Imortais do Futebol

Foto: Reprodução / Imortais do Futebol

A consagração demorou, mas a festa veio cedo. Aos 5 minutos, Zinho, substituto do ídolo Alex, suspenso, abre o placar. O Cruzeiro jogava muito, criava e desperdiçava as chances. Quis o destino que a sacramentação da taça viesse apenas com Mota, que chegou ao clube desconhecido e saiu gigante. Com o 2 a 0, o grito saiu da garganta de vez. É campeão brasileiro, pela primeira vez, e da tríplice coroa, feito inédito e jamais igualado. A partir dali, tanta coisa aconteceu com o clube, sentimos grandes dores e diversas alegrias. Coisas corriqueiras para um clube de tamanha envergadura.

Portanto, ninguém sabe como será o 30 de novembro de 2017. Mas a nossa esperança é de que voltemos a ter algo a comemorar, após dois anos tão tristes. Mas nada que se compara ao acontecimento trágico em território colombiano. É momento de reflexão sobre prioridades, respeito e cuidado, especialmente às vidas humanas. Para que o futebol volte a ser o principal assunto a abordar. Que os próximos sorrisos e lágrimas, oferecidos e sem direito a escolha, sejam de alegria.

Por: Emerson Araujo