Sonhando com dias melhores


Quero jogar bola, virar jogador de futebol e conhecer o Neymar. Mas, agora, não posso me machucar porque minhas plaquetas estão baixas, conta João Paulo, de 5, que deixou, na companhia da mãe , Maria de Lourdes Francisca da Silva, de 43, os três irmãos em Turmalina, no Vale do Jequitinhonha, para se tratar de uma leucemia em Belo Horizonte”.

Li esse trecho em um jornal mineiro do último domingo, na manhã de segunda-feira, logo após a saída do técnico Cuca e do empate por 1×1 contra o América, no sábado. E, ainda no domingo, durante uma viagem com um primo atleticano, chegamos à conclusão que técnico de seleção brasileira tem que ter liderança motivacional, porque ele não precisa treinar ninguém, se partirmos do pressuposto que todo mundo na seleção é craque. E que, então, o treino para jogadores da seleção serve só para manter a forma e gerar entrosamento. O papel do técnico é motivar, é mostrar vídeos de crianças jogando bola em campo de várzea com a camisa da seleção brasileira e falar pra esses caras: “tá vendo isso? Olha o que vocês representam! Se vocês perderem essa, para vocês é só uma derrota! Mas para esses moleques pode ser o ruir de um sonho… a responsabilidade de vocês é social, acima de tudo”.

Essas duas informações me levam a crer que a vida realmente nos prega peças, essa danadinha! Eu estava ali, triste e cabisbaixa, achando que a saída do técnico Cuca era errada, quando tive essa conversa com um atleticano e, logo após, tive o privilégio de ler esse e outros relatos de crianças que lutam diariamente pela vida e, ao contrário dos marmanjos que só sabem reclamar de tudo – inclusive de seus times de futebol –, sonham com dias melhores sem desanimar e sem fazer beicinho porque o time empatou ou perdeu. Principalmente o relato de João Paulo, cidadão de Turmalina, me abriu os olhos para coisas que é difícil vermos quando somos engolidos pelo sistema do mundo e só sabemos reclamar, reclamar e reclamar.

Cuca saiu. Joel chegou. As esperanças de todos se renovam. Na semana passada, escrevi que não achava que a saída de Cuca era a decisão mais acertada e, com todo o respeito a João Paulo, chamei Neymar de bundão, por não saber honrar hierarquias. Não retiro uma palavra do que disse. A visão estratégica do futebol está deturpada, e o Cruzeiro é prova viva disso.

Bom, dizem por aí que Cuca perdeu as rédeas da situação. E eu continuo a perguntar: como pode isso?  Cuca pegou um Cruzeiro em frangalhos emocionais ano passado, após a saída de Titio AB, reescreveu o rumo das vitórias e montou um time brilhante para disputar a Libertadores; por falta de sorte ou simples ironia do destino, o projeto não foi até o fim. Esse mesmo time foi campeão mineiro, o que não significa lá grandes coisas (para não dizer “nada”), mas mostra que ressurgiu das cinzas e das dores para ganhar triunfalmente o título em cima de seu vizinho. O time está montadinho, bonitinho, um antes dito Barcelona das Américas wannabe. O comandante, então, é substituído por outro que tem fama de ser paizão, queridão, turrão e, em seu currículo de glórias, consta que fala inglês de uma beleza ímpar. Essa mudança é circunstancial para a conclusão a que chegaremos.

Se Joel não der um jeito no Cruzeiro, o que eu acho o mais provável, porque jeito contra macumba é oração, reza, algo do tipo, isso provará que Cuca não era a célula estranha do Cruzeiro. Se Joel der um remédio milagroso ao time, e este reencontrar lindamente o rumo das vitórias a partir da próxima rodada, isso provará que as células estranhas do Cruzeiro continuam entre o grupo. Jogadores manhosos, preguiçosos, que não honram hierarquias, que querem derrubar o técnico… eles não são (muito bem) pagos para fazer esse tipo de revolução, e, se continuarem no clube, a única revolução que farão é na série B. Para todos os efeitos, e em todas as saídas possíveis, a diretoria do Cruzeiro agiu errado.

Vamos esquecer que odeio o São Paulo por um momento e olhar friamente para a realidade do clube paulista: quando é que vemos o São Paulo contratando aquela sumidade futebolística? Se for uma vez na vida, outra na morte, isso já é muito. Eles apostam na base, e sempre acertam. Taí Lucas que não me deixa mentir. Já o Cruzeiro, bem como outros grandes clubes, não investe na base, e na hora que sobe um jogador, logo trata de queimá-lo. Alguns realmente tem estrela, e Diego Renan é meu argumento para isso; mas o clube não investe no jogador em sua totalidade, e ele é, por fim, presa fácil para experimentos técnicos, e acaba por causar bafão geral e quase sair do clube em meio a desentendimentos.

O Cruzeiro está errado em todas as partes, e a única cura para o clube é o transplante de medula óssea urgente, que podemos chamar também de “renovação da diretoria”. Podemos fazer revezamento de técnicos, atacantes, zagueiros e tias do cafezinho – se a mudança não for estrutural, nada muda. E, enquanto nada muda, jogadores que não se importam continuarão levando aos campos a camisa de milhões de pessoas que se importam.

Jogador de futebol tem responsabilidade social, sim. Tem que saber respeitar não somente as pessoas que pagam seu salário, como também as que depositam nele toda confiança e sonho de uma vida. Dinheiro eles já tem, o carro do ano eles já tem, a gama de mulheres a gastar esse dinheiro e essa gasolina eles também já tem… o que sobra? Sobra mandar o técnico embora. E se esquecer, mais uma vez, para azar dessa iludida e avoada sociedade brasileira, de honrar aquele tanto de guri jogando bola em campo de várzea e falando que quer ser jogador de futebol. O país do futebol é um lugar de reis que não ligam para seus súditos. Acordem, pessoas. Não há como ter um reino sem um povo a quem reinar.

João Paulo, o garotinho com leucemia da matéria que li, diz que quer viver cem anos e ser maior do que o irmão Jonathan, de 14 anos. E, se vocês forem perguntar a essa pessoinha de cinco anos se vai dar tempo para ser jogador, conhecer Neymar e fazer o moicano do jogador quando o cabelo crescer de novo, ele vai responder: “Tenho tempo para tudo, quero fazer tudo”.

Nós também temos, João Paulo. E é uma pena que não estejamos vivendo este tempo com tanta alegria e dignidade quanto você.